quarta-feira, 8 de abril de 2009

A Guerra Fria finalmente acabou?

Após o anúncio dos presidentes da Rússia, Dimitri Medvedev, e dos Estados Unidos, Barack Obama, da negociação de um acordo que substitua o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start) ainda em 2009, o planeta parece estar menos inseguro em relação à política mundial de desarmamento. O arsenal nuclear de ambos os países, hoje, está acima do que seria suficiente para acabar com a vida no planeta. No entanto, a ascensão de Obama à presidência da maior potência militar do mundo é percebida pela Rússia como bom momento para a reaproximação entre os dois países, já que, para Moscou, o estadunidense parece ser uma pessoa mais admissível e, também, mais responsável que George W. Bush, acusado de ressuscitar o clima de antagonismo entre ambos os países durante seus dois mandatos presidenciais.
Apesar do término da Guerra Fria, no início dos anos de 1990, e da existência do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968, os grandes rivais mantiveram o material bélico. O embaixador do Brasil nas Nações Unidas e ex-ministro das Relações Exteriores do Governo João Goulart, Araújo Castro, já havia denunciado, em 1971, o TNP como armadilha do sistema internacional. Segundo ele, não-proliferação não significava desarmamento. Araújo Castro estava certo: haveria somente o congelamento do poder mundial por meio da manutenção das relações de força estabelecidas entre EUA e URSS durante a Guerra Fria. E as armas nucleares foram conservadas até os dias atuais.
Com o objetivo de diminuir a tensão internacional e impetrar o desarmamento nuclear, a retomada das relações bilaterais entre as superpotências da Guerra Fria seria essencial, na concepção dos EUA. Segundo Washington, todos os meios que levam à redução de violência no Afeganistão e ao desarmamento do Irã passam pela Rússia, a qual faz papel de mediadora nas negociações sobre o Programa Nuclear de Teerã, e, concomitantemente, tenta resolver antigo desafeto com o vizinho Afeganistão, desde a sua invasão pela antiga União Soviética para apoiar o governo local a sufocar uma rebelião muçulmana, em 1980.
A atual crise econômica e a redução do orçamento estadunidense seriam o maior motivo dos EUA para buscar a cooperação com a Rússia, no intuito de normalizar o mais rápido possível a situação afegã e desnuclearizar o Irã. Para Moscou, essa seria uma excelente chance de retornar ao cenário internacional como parceiro da maior potência militar mundial. Sim, militar. A hegemonia econômica é outro assunto. Além disso, esse é um bom momento para a Rússia melhorar sua imagem no Ocidente, prejudicada por sua política de invasão da Geórgia após tentativa de anexação do território separatista da Ossétia do Sul, e para atrair investimentos para o país durante esse período de colapso econômico mundial.
O fato de a crise poder ajudar na política de desnuclearização mundial torna-se situação curiosa, mas não impossível, como se pode constatar pelos entendimentos entre Obama e Medvedev. Finalmente, falta saber qual será a política a ser adotada em relação à Coreia do Norte, que acaba de testar míssil balístico no Sudeste Asiático, fato confirmado pelo exército russo dois dias após o lançamento, contrariando resolução das Nações Unidas, uma possível ameaça aos novos parceiros em desarmamento. Os países emergentes que detêm armas nucleares, como Índia e Paquistão, entre outros, também podem ser considerados como ameaça à vida no planeta, mas esse é outro assunto...

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Brasil e a reformulação sistema financeiro internacional

O G20, grupo das vinte maiores economias industriais e emergentes do mundo, enfim alcançou poder de decisão ao suprimir a atuação do G8 em relação à atual crise financeira mundial. O Grupo dos Oito perdeu legitimidade para articular decisões que envolvam o sistema financeiro internacional por ser considerado obsoleto e incompleto, devido à ausência das grandes economias emergentes surgidas após a Guerra Fria, como Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC), concertação diferente da criada em Bretton Woods, EUA, no pós-Segunda Guerra.
O anúncio da Cúpula do G20, em Londres, de injeção de mais de US$ 1 trilhão na economia mundial por meio de organismos multilaterais, como o FMI, enfatiza o objetivo inédito dos líderes do grupo de adotar medidas para regular o sistema financeiro, o que inclui os fundos de alto risco e as agências classificadoras de risco, além da criação do Conselho de Estabilidade Financeira, um tipo de sistema de alerta para novas crises. O que significa, finalmente, reestruturação e readaptação do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao capitalismo globalizado.
A nova realidade econômica e financeira, surgida na década de 1990, demanda melhor articulação entre os países desenvolvidos e os em vias de desenvolvimento por apresentar modelo defasado dos organismos financeiros internacionais no trato de crises, como as ocorridas no México, no Sudeste Asiático e na Rússia. Assim, o FMI perde cada vez mais legitimidade para interferir nas economias dos periféricos, e apresenta defasagem em relação ao mundo globalizado.
O lançamento da Iniciativa Chiang Mai, em 2000, por países asiáticos estimulados pela China, por exemplo, tentou a substituição do FMI na Ásia por meio da coordenação da política monetária regional, num sistema de transferência de divisas de forma rápida e direta entre os países de economia sadia e os atingidos por crises, o que evitaria novos grandes colapsos locais decorrentes da espera por socorro.

O fim do complexo de vira-latas?

O fato de o Brasil emprestar dinheiro para o FMI confere sua nova posição no cenário internacional como país relevante para a harmonia do sistema financeiro mundial. De dependente de empréstimos internacionais, desde a Independência, à condição de novo financiador do FMI, o Brasil quebra esse paradigma e apresenta fôlego e disposição para tentar alcançar maior visibilidade no exterior.
A luta pelo assento no Conselho de Segurança da ONU e sua reformulação, objetivos buscados pelo presidente Lula em dois mandatos consecutivos, demonstram certa maturidade financeira e política do país em relação a seus pares. A colaboração militar com a ONU, em Missões no Haiti e no Timor Leste, também expõe o Brasil de forma positiva. A ascensão da nação ocorre de forma estável e gradual, colocando-nos, dessa forma, como um dos ícones da nova realidade mundial.
Tanta visibilidade estaria aumentando o nacionalismo brasileiro, apesar da queda nas pesquisas internas de popularidade do presidente? Talvez sim, porque a mudança da imagem de degradação para a de maior estabilidade confere ao Brasil status nunca antes alcançado no exterior. Só acreditaremos no fim do complexo de vira-latas quando realmente assumirmos capacidade financeira, militar e tecnológica, o que, esperamos, não deve demorar muito.