terça-feira, 30 de novembro de 2010

Matriz Energética

Outro dia assisti ao Programa Brasilianas.Org, na TV Cultura. Os temas abordados são bem interessantes: defesa, nanotecnologia, saúde, software livre, logística, e por aí vai...
Vale a pena assistir.

Brasilianas.Org é veiculado na TV Cultura, às segundas-feiras, às 22 horas.

Abaixo, o programa sobre Matriz Energética, apresentado por Luís Nassif:



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A queda do muro e o começo de uma nova era


(texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em novembro de 2009.)

Ao assumir o poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1985, Mikhail Gorbatchov inicia as reformas que levariam ao fim o bloco comunista: a Glasnost (“transparência”), que visava à diminuição da censura, e a Perestroika (“reestruturação”), um conjunto de reparos na economia, prejudicada por décadas de burocracia e de corrupção. O consequente enfraquecimento da URSS proporcionou o reaparecimento dos nacionalismos no Leste Europeu, e os conflitos étnicos, antes contidos pela Potência Comunista, ressurgiram a partir da desagregação do bloco, provocando vários anseios separatistas. Mas o que a Alemanha tem a ver com isso?

Após a Segunda Guerra Mundial, os vencedores (Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e URSS) dividiram a Alemanha em República Democrática Alemã (RDA), sob regime comunista, e República Federal da Alemanha (RFA), administrada sob regime capitalista. O muro entre os dois territórios foi construído em 1961 e foi derrubado 28 anos depois. No auge da Guerra Fria, a divisória simbolizou a separação do mundo entre Leste e Oeste, entre comunistas e capitalistas. O desmantelamento político e econômico da antiga União Soviética resultou no início de uma nova era de globalização econômica e na unificação do país dividido por duas ideologias.

Certamente a Alemanha mudou muito desde a queda do muro. A RFA investira nas bases do que hoje conhecemos como União Européia e a Alemanha tornou-se uma potência econômica, que atualmente suporta grande parte das despesas do bloco juntamente com a França. A unificação agregou a parte menos economicamente desenvolvida, a antiga RDA, ao restante do Estado e os alemães ocidentais pagaram por isso: impostos para sustentar o lado mais necessitado, principalmente na área da saúde. Hoje, o território incorporado ainda precisa se desenvolver: as antigas regiões dominadas pela URSS apresentam o dobro de desempregados em relação aos outros territórios, renda per capita equivalente a 70% dos estados ocidentais e migração em massa da mão-de-obra jovem.

Com relação aos outros países do Leste Europeu, a retomada econômica, contudo, não foi tão lenta quanto se imaginava. Em entrevista à rede britânica BBC, o diretor do Instituto da Economia Alemã, Michael Hüther, afirmou que os estados do leste alemão precisam de pelo menos mais dez anos para lograr desenvolvimento econômico comparável às outras regiões do país. No entanto, há quem tenha se desenvolvido com a incorporação ao lado ocidental. Leipzig, capital cultural e econômica da antiga RFA, por exemplo, cresceu com a mão-de-obra barata e, consequentemente, com a instalação de empresas como DHL, BMW e Porsche.

Apesar da defasagem econômica em relação aos estados da antiga RDA, o lado incorporado tende a melhorar paulatinamente. A mão-de-obra barata e a ampliação do turismo local devem contribuir para o incremento da economia na região. No entanto, um problema real é a massa de jovens migrantes, mesmo com a injeção financeira de quase um trilhão e meio de euros nos últimos vinte anos. A unificação da Alemanha saiu cara e o lado mais rico ainda está pagando a conta de anos de estagflação. Mas ninguém disse que sairia barato.


Alessandra Baldner

Novos rumos na União Europeia


(texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em novembro de 2009.)

A União Européia (UE) deu, neste mês de novembro, passo histórico para a reforma do bloco com a esperada decisão da República Tcheca, país que aderiu ao Tratado de Lisboa após tanto criticá-lo. Dentre as principais mudanças, destaca-se a implantação de liderança mais forte e coesa no bloco, agilidade nas decisões e eficiência em política externa. A UE ganhou seu primeiro presidente permanente, o ex-primeiro ministro belga Herman Van Rompuy, e uma comissária de Comércio Exterior, Catherine Ashton, responsável pela política externa. Já o Parlamento Europeu ganhou poderes de decisão compartilhada em novos setores, como assuntos policiais e judiciais, pesca e agricultura. O que isso muda para o Brasil?

O Tratado de Lisboa estabelece bases comuns para a política externa europeia, diferentemente da rejeição iniciada nos anos de 1960 pelo presidente francês Charles de Gaulle, que temia o enfraquecimento da soberania estatal a partir da implantação de um governo supranacional na Europa. O novo acordo afirma a concordância dos europeus em partilhar uma parte de sua soberania, o que demonstra a continuidade de rejeição a uma supranacionalidade estatal. Até a adesão do Tratado de Lisboa, o setor referente à Política Externa e Segurança Comum, assim como o de Cooperação Policial e Judiciária, tinha por prerrogativa nas decisões a unanimidade, evitando a perda de poder dos países nessa área. O estabelecimento de decisões compartilhadas favorece, inclusive, possibilidade de mudança na Política Agrícola Comum (PAC), responsável pelos elevados subsídios que dificultam as exportações de produtos primários brasileiros para a UE.

A PAC consome atualmente cerca de 40% do orçamento do bloco, e tem a França entre os seus principais defensores. Dessa forma, outros investimentos são comprometidos em função do alto custo da Política Agrícola, a qual já passou por duas reformas pouco significativas para nós. O Brasil quer abertura em mercados de produtos primários, enquanto a UE (e países desenvolvidos em geral) quer facilidades nas áreas de manufaturados e serviços, estabelecendo um impasse que talvez seja resolvido ainda na Rodada Doha. Em que pese o fator cultural e a segurança alimentar, do ponto de vista europeu seria menos oneroso a importação de produtos agrícolas. Mas o incentivo às paisagens rurais e a comida como cultura devem continuar por algum tempo a consumir boa parte do orçamento da UE.


Alessandra Baldner

Copenhague: lucro à vista


(texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em dezembro de 2009.)

O fracasso da Conferência da Organização das Nações Unidas para Mudanças Climáticas revelou ao público o que especialistas no assunto já previam: a indisposição chinesa e, principalmente, a estadunidense em se posicionarem a favor da redução de poluentes em seus territórios. Assim como o Plano de Ação de Bali, de 2007, o Acordo de Copenhague tornou-se apenas uma carta de intenções, sem valor legal ou significativo.

Essa não é a primeira vez que os Estados Unidos se recusam a colaborar com a redução de gases na atmosfera, não ratificando até hoje o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Os motivos para a oposição de chineses, de norte-americanos e de alguns países exportadores de petróleo são puramente econômicos. A China precisa financiar seu desenvolvimento com energia barata; os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) não deixarão seu balanço de pagamentos deficitário; e os EUA lucram de duas formas: uso de energia barata e possibilidade de cultura de produtos tropicais em seu território, devido às mudanças de temperatura.

Quem perde são os países pobres, especialmente africanos, que sofrerão com a desertificação dos solos e com a consequente inviabilidade da agricultura local. Alguns países asiáticos devem padecer de catástrofes climáticas, como aumento na quantidade de tufões e mudança no regime de monções, que já ocorrem com certa freqüência, e inundações. A Europa sofrerá com a escassez de água, mas a Rússia prontamente vislumbra lucrar com o derretimento das calotas polares, que liberará novas rotas marítimas, barateando os fretes, e com a liberação de portos, inclusive militares, no Ártico.

Ninguém disse que o mundo era justo. Contudo, para os ambientalistas e os demais preocupados com as ondas de calor há esperança de prosseguimento das negociações climáticas. Duas reuniões estão marcadas para 2010 e mais duas para 2011. Resta saber se haverá tempo suficiente para cooperação e para o alcance de um acordo positivo. De catástrofes climáticas já bastam os filmes hollywoodianos

Alessandra Baldner

A diáspora brasileira

(texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em janeiro de 2010.)

O ataque a brasileiros no Suriname, no final de 2009, expõe o problema do expressivo fluxo das migrações irregulares nas fronteiras sul-americanas. De meados do século XIX até a segunda metade do século XX o Brasil configurou-se como país receptor de mão-de-obra estrangeira, no entanto, a partir da década de 1980 a situação é invertida, quando nos tornamos um país de emigração devido ao contexto de estagnação econômica e descontrole inflacionário.

Atualmente, a diáspora brasileira é um dos fenômenos que mais preocupam o Itamaraty.
Dados do Ministério das Relações Exteriores revelam que em 2005, cerca de 2,6 milhões de brasileiros deixaram o Brasil com destino aos Estados Unidos, ao Japão, à Europa Ocidental (Espanha e Portugal) e à América do Sul. No caso das fronteiras meridionais, o Brasil firmou Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados-parte do MERCOSUL, em 2002, para contornar a situação, apesar de o Paraguai recusar-se a assiná-lo. Dessa forma, persiste a contenda entre “brasiguaios” e paraguaios na área fronteiriça.

No caso das fronteiras setentrionais, a questão é ainda mais crítica: há conflitos na região Bolívia-Peru-Acre, na Venezuela, no Suriname e na Guiana Francesa. A maioria dos brasileiros na região é de ilegais que buscam oportunidades de enriquecimento, seja como garimpeiros ou como atravessadores de imigrantes, entre outras possibilidades. Contudo, a ilegalidade migratória é fator de violações de direitos humanos em qualquer lugar do mundo.

A Organização Internacional do Trabalho disciplina relações indistintas entre regulares e irregulares, mas não proporciona meios para regularizar a situação dos ilegais, comum em quase todos os casos. Existe uma dificuldade consensual entre quem recebe e quem envia mão-de-obra, explicitada até no Fórum Global de Emigração e Desenvolvimento, de 2007. Opostamente, a Convenção sobre Relações Consulares afirma que todos os imigrantes têm direito a assistência consular. O caso pode ser resolvido por meio de tratados e de cooperação. Mas para isso, é necessário haver consenso. Até lá, o Itamaraty ainda deve ter muito trabalho.

Alessandra Baldner

Haiti: quem manda no pedaço?

(texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em janeiro de 2010.)

A coordenação das tarefas de ajuda humanitária finalmente parece estar acertada entre os países que se propuseram a colaborar com o Haiti. Em meio à tragédia que se abate sobre o país caribenho, e quase uma semana após o desastre, tropas brasileiras cuidam da segurança da população e Estados Unidos são responsáveis pela assistência humanitária. Os norte-americanos, que controlam o aeroporto da capital haitiana, já foram denunciados pela França por priorizar seus próprios interesses, e Hilary Clinton defendeu mais poderes aos EUA. Na disputa estrangeira pelo “poder” de administrar o país, como ficam os haitianos, maiores interessados na resolução do caos?

Medicamentos, comida, água e, agora, segurança são prioridades para o povo haitiano, que de pobre passou a miserável. Donativos não faltam e todos querem contribuir. O acesso, dificultado pela destruição está sendo feito somente pelo aeroporto, cuja administração foi assumida pelos Estados Unidos a pedido do presidente René Préval. As tropas da Missão da ONU para a Estabilização no Haiti (Minustah), lideradas pelo Exército brasileiro desde 2004, formada também por outros países, possuem conhecimento acurado do território haitiano, fato reconhecido pelos EUA. Então, por que não deixar as tropas da ONU coordenarem diretamente a ajuda?

A imagem desgastada pelas guerras do Afeganistão e do Iraque associa os norte-americanos a uma índole imperialista em relação aos demais países do globo, principalmente quando as populações locais não apoiam interferência estrangeira constante em seus territórios, conceito ruim constantemente explorado pela mídia internacional. O resultado é a desconfiança que os EUA geram em outras nações. Além disso, a crescente probabilidade de tentativas de fuga de refugiados para território norte-americano é alta, como ocorreu, em 1962, após a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba.

Assim, nada melhor do que demonstrar vontade de ajudar os necessitados, nesse momento, de um país americano. Nada melhor do que mostrar a face humana. Os estadunidenses podem realmente estar preocupados com a população haitiana. E por que não? Entretanto, é preciso que haja não somente a vontade de mudar uma face desgastada, mas, também, de ajudar rapidamente a quem sofre. Tempo significa mais vidas, e para isso, cooperação é essencial.

Alessandra Baldner

Caracas: Mercosul, Venezuela e seus desafetos

(artigo originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em fevereiro de 2010.)

A polêmica em torno do governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que atualmente está perdendo o apoio de parte de seus ex-aliados internos, reacende questionamento a respeito da entrada do país no Mercosul. De acordo com o Protocolo de Ushuaia, assinado no âmbito do bloco, a democracia é condição essencial para Estados-membros participarem dos processos decisórios mercosulinos, e o que se polemiza é a legitimidade do governo venezuelano para ser parte da organização.

No final de 2009, o Congresso Nacional brasileiro decidiu pela adesão da Venezuela, restando somente ao Paraguai definir a entrada ou não do país no Mercosul, devido ao voto consensual. Dessa forma, todos os membros devem estar de acordo com o procedimento a ser adotado. A decisão brasileira baseia-se no pressuposto de que existe democracia na Venezuela. Em caso contrário, esta não poderia ser aceita em função do Protocolo de Ushuaia.

Sob a ótica do Governo brasileiro, a Venezuela é considerada democracia pelo fato de que seu representante foi eleito pelo povo, embora sua administração possa ter adquirido caráter autoritário. Ao contrário, por exemplo, do caso de Honduras, cujo presidente foi retirado do poder, assumindo-o, então, um governante interino sem respaldo das urnas. Assim, por mais que se questionem as atitudes de Chávez relativas ao racionamento de energia ou à censura de imprensa, entre outras, ele foi eleito democraticamente. De qualquer forma, todos os membros do Mercosul têm a ganhar com a entrada Venezuela no bloco.

Avaliada como a terceira maior economia da região, a Venezuela detém as maiores reservas em petróleo e gás natural do continente, apresenta possibilidades promissoras de comércio, principalmente com o Norte e o Nordeste do Brasil, e seu território abrange parte da Amazônia. O país constitui-se, também, como um dos maiores importadores de produtos e serviços brasileiros. Além disso, a ampliação do bloco, com a entrada de Caracas, proporcionará maior dinâmica comercial entre os membros e, provavelmente, a integração energética, temas essenciais para o adensamento do Mercosul. É preciso ter em mente, também, que, mesmo que o governo venezuelano mude, o compromisso assumido junto ao bloco permanecerá como política de Estado, possivelmente pouco suscetível às mudanças de governo.
Alessandra Baldner

domingo, 21 de novembro de 2010

A nova Turquia

(Texto originalmente publicado pelo periódico online O Estado RJ, em junho de 2010.)

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, emergiu no cenário internacional a partir da aliança com o Brasil na assinatura do tratado sobre o polêmico enriquecimento de urânio iraniano, mas se destacou ao condenar publicamente a operação militar mal-sucedida de Israel sobre o navio de bandeira turca, Mavi-Marmara, em maio deste ano, que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Este parece ser o momento de ascensão da Turquia regionalmente, fato que desperta a curiosidade do resto do mundo, e provoca temores ocidentais devido à possibilidade de realinhamento da política externa turca às suas origens islâmicas.

Apesar de a Turquia ser um Estado laico, seu atual governo, presidido pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento, de raízes islâmicas, parece aos olhos ocidentais ser responsável pelo início de possíveis problemas, como o voto contra as sanções ao Irã na ONU. Tema este mais polêmico do que o voto, também negativo, brasileiro. Isso se explica pelo fato de que a Turquia é parte daquela região e depende do gás fornecido pelo Irã; diferentemente do Brasil, que está na América do Sul, e pretende uma política externa independente visando à diversificação comercial.

Há cerca de 90 anos o fim do Império Otomano fez com que a Turquia, sua principal comarca, negligenciasse o restante do território do antigo império, voltando-se para o Ocidente. Na década de 1950, o país entrou para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), um aparelho militar entre Estados anticomunistas constituído no início da Guerra Fria. Atualmente, a prioridade turca é a de ser membro a União Europeia (UE) e, para isso, o Estado estabeleceu, inclusive, acordos com Israel, como “contraveneno a um radicalismo islâmico”.

Entretanto, Erdogan está reformando o país, aparentemente realizando mais feitos que seus predecessores, e sua política externa revela novos rumos após a rejeição da entrada turca para a UE e após a ocupação do Iraque pelos ocidentais. Para os turcos, Erdogan propicia uma espécie de ascensão internacional, bem-vista aos olhos dos habitantes, de um país com importância relativamente pequena no mundo em relação às conquistas do antigo Império Otomano. Um novo orgulho nacional.

Para o Brasil, a relação com a Turquia é estratégica no sentido de se ampliar mercado e competitividade no exterior, ao servir como entreposto comercial devido à localização de seu território: parte na Europa, parte na Ásia. Dessa forma, a afinidade Brasil-Turquia tenderá a facilitar o acesso brasileiro aos continentes asiático, africano e europeu com a (ainda mantida) fama dos turcos de grandes mercadores regionais; além de a Turquia se constituir como um mercado importante, com cerca de 70 milhões de habitantes, e com um Produto Interno Bruto de mais de US$ 600 bilhões. E então, não vale a pena?

Alessandra Baldner

O que há de bom na vizinhança?

(Texto originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em agosto de 2010.)

Há brasileiros e brasileiras que não enxergam potencial econômico em alguns países sul-americanos além da Argentina. O Brasil possui um território extenso, é um grande exportador agrícola, detém tecnologia de ponta na extração de petróleo em alto-mar, mas, apesar de muitos feitos, não é totalmente autossuficiente em alguns setores, como o da produção de fertilizantes, da qual somos tão dependentes para exportarmos produtos primários. Importamos anualmente 50% do fosfato e 90% do potássio consumidos, a um custo equivalente a cinco bilhões de dólares. Por que não suprir essa demanda com insumos sul-americanos?

O Brasil, por exemplo, importa do Suriname alumina calcinata, aplicado em diversas indústrias, como a de refratários, a de esmaltes, e a de fibras e revestimentos cerâmicos; da Bolívia, o gás natural; da Venezuela, derivados de petróleo; do Paraguai, compra parte da energia elétrica gerada pela Usina de Itaipu; do Equador, medicamentos e chocolate; e do Peru, importará matéria-prima para a produção de fertilizantes. Esses são somente alguns exemplos do comércio que o Brasil mantém com nossos vizinhos. Não somos autossuficientes em tudo. Por isso, são necessárias políticas de aproximação e de complementação econômica, como o MERCOSUL e a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

Se precisamos importar, por que não ajudar os países da região? Durante a época do Império, o Brasil se posicionou “de costas” para o continente americano, voltando-se para a Europa, especialmente para a Grã-Bretanha. Em meados do século XIX, o Governo Brasileiro reformulou seu principal eixo comercial, favorecendo os Estados Unidos ao importar manufaturados e exportar café. Faz pouco tempo que notamos a potencialidade mercantil de nossos vizinhos; pode ser por isso que nós os olhamos com certo desprezo. Na verdade, um desprezo proveniente da indiferença.

Atualmente, observa-se o crescimento do comércio entre blocos em vez de acordos bilaterais. A formação de blocos, como o MERCOSUL, fortalece os Estados para negociarem em conjunto. Dessa forma, o poder de barganha dos grupos comerciais é alto e, além disso, projetos de integração física, como transporte e distribuição de energia, previstos na IIRSA, estão entre as prioridades para o adensamento de relações comerciais na América do Sul. Há tanto potencial em nossos vizinhos para exportar os insumos de que necessitamos que a integração realmente apresenta o seu valor. Por que não nos favorecermos com as oportunidades?

Para o Brasil, o projeto de integrar a América do Sul torna-se, também, assunto de segurança nacional. Investimos na complementaridade econômica entre nossos vizinhos como forma de combatemos o narcotráfico e o crime organizado na região, que é visto por países que demandam maior necessidade de desenvolvimento _ Bolívia, Colômbia, Equador e, atualmente, Peru _ como forma de gerar riqueza. Assim, temos a possibilidade de manter nossas fronteiras protegidas, além de expandir essa proteção aos territórios vizinhos, evitando a entrada de Estados extrarregionais nessas localidades, como prevê o acordo militar norte-americano com a Colômbia para o combate ao narcotráfico em jurisdição colombiana, fato que preocupou os demais países sul-americanos.

Alessandra Baldner

Os “brasiguaios” e Itaipu

(Texto originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em maio de 2009.)

A relação diplomática entre Brasil e Paraguai, dentro e fora do Mercosul, adquire contexto mais amplo do que simplesmente a questão da revisão do Tratado de Itaipu, considerada injusta pelo governo paraguaio. Atualmente, cerca de 450 mil “brasiguaios”, denominação dada a brasileiros e seus descendentes estabelecidos na República do Paraguai, estão ameaçados de expulsão e de terem suas terras expropriadas, segundo o Ministério das Relações Exteriores. Dessa forma, ambos os temas são considerados pelo Itamaraty como prioritários nas relações bilaterais Brasil-Paraguai.

Os conflitos atuais iniciaram-se durante os Regimes Militares estabelecidos em ambos os países: Itaipu, em 1973, com a assinatura do Tratado para a construção da hidrelétrica, e a formação de “brasiguaios”, a partir, também, da década de 1970. Entretanto, os impasses diplomáticos entre Brasil e Paraguai têm raízes mais antigas, na disputa pelo território das Sete Quedas (Bacia do Paraná), iniciada no século XVIII, reaberta durante a Guerra do Paraguai (1864-1870) e “resolvida” com a construção da Hidrelétrica de Itaipu, para a produção de energia em conjunto, e com a transformação das terras em litígio em reserva biológica binacional.

O processo de concentração fundiário na região Sul do Brasil e a construção da hidrelétrica, cujo local fora inundado para formar o lago da represa, deslocaram mais de 40 mil pessoas, que, após receberem indenização, atravessaram a fronteira. Aliados a esses fatores, o baixo preço das terras de boa qualidade e os incentivos fiscais para a agricultura, durante o Governo Alfredo Stroessner (de 1954 a 1989), atraíram ao território paraguaio esses brasileiros, na época, já acostumados à agricultura mecanizada, e que, hoje, respondem por 85% da produção de soja paraguaia.

Contudo, a presença “brasiguaia” provoca há anos desavenças por parte dos camponeses paraguaios. Percebe-se o problema devido ao fato de o Paraguai ser o segundo país com mais consulados brasileiros: sete. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, estima-se que os “brasiguaios” possuam, atualmente, mais de um milhão de hectares no Paraguai, na região fronteiriça com Paraná e Mato Grosso do Sul. A questão das brigas por terras aliada à reivindicação de Fernando Lugo de se revisar os termos do Tratado de Itaipu, pode gerar nacionalismo exacerbado por parte do povo paraguaio, que ainda não se esqueceu do massacre cometido pelo Brasil na Guerra do Paraguai.

Somos vistos pelos vizinhos sul-americanos como potência imperialista na região. Como resolver esses impasses? A dívida de Itaipu será quitada somente em 2023, e o governo brasileiro mostra-se contrário à possibilidade de o Paraguai vender livremente sua parte da energia produzida, devido às regras do Tratado. O Brasil precisa de energia, e Itaipu responde por quase 20% de todo o consumo energético do país. Além disso, o cultivo dos “brasiguaios” representa quase a totalidade da produção de soja no país, fazendo com que o Paraguai se torne o quarto maior exportador do produto no mundo. A possível expulsão de brasileiros em território paraguaio pode acarretar queda nas exportações líquidas do país, e a revisão do tratado de Itaipu certamente será um impasse, porque ambos os Congressos precisam aprovar a mudança e o Brasil não pretende mudá-lo. Dessa forma, o governo Lugo dificilmente tomará decisões radicais.

Alessandra Baldner

Alguém se lembra da Rodada Doha?

(Texto originalmente publicado em julho de 2010, no periódico online O Estado RJ.)

A cúpula do G20 financeiro, realizada em junho deste ano no Canadá, parece ter sido um sucesso ao conseguir a consolidação da reforma do sistema financeiro mundial. Além disso, o comunicado final do evento transcreve a recomendação de se reduzir pela metade os déficits comerciais dos países desenvolvidos até 2013. No entanto, negociações no campo mercantil não avançaram, e a Rodada Doha poderá não ser concluída até o final deste ano. E isso é ruim? Sim. Principalmente para o setor primário exportador brasileiro.

Para quem não se lembra da Rodada Doha, ela foi iniciada em 2001, e há esperança de que seja concluída ainda no final deste ano, sendo a mais longa rodada de negociações comerciais (fora programada para durar até 2005) e a primeira realizada no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Também conhecida como a Rodada do Desenvolvimento, expunha o fato de a OMC reconhecer que o comércio é o caminho para os países periféricos se desenvolverem. Contudo, as negociações permanecem estagnadas devido à intransigência de desenvolvidos e de periféricos.

Do lado dos Estados Unidos e dos países-membros da União Europeia, o grande problema reside na dificuldade da eliminação de subsídios agrícolas à produção e à exportação, no caso norte-americano, a situação pode ser facilitada com uma nova Farm Bill (lei agrícola) a ser aprovada em 2012 pelo congresso daquele país (tema bastante discutido com referência à possibilidade de retaliação brasileira aos EUA por causa de subsídios ao setor algodoeiro). Já para a União Europeia, o problema estaria voltado para a segurança alimentar. A retirada dos pagamentos ao produtor é mais complicada devido à questão cultural, por causa das guerras do século XX, e à manutenção da população no campo.

Se, por um lado, EUA e União Europeia são os grandes vilões no impedimento do acesso aos mercados agrícolas, o Brasil figura como vilão, juntamente com a Índia, na questão sobre a entrada de serviços e de produtos manufaturados em seus territórios. Ninguém cede; há claramente um impasse. Doha tem como objetivo liberalizar o comércio mundial, mas após a última crise financeira e as tentativas de se restabelecer as contas internas e externas dos países atingidos, a Rodada parece estar longe de uma conclusão. Depois da declaração de Barack Obama de que não concorda com a conclusão de Doha nos termos atuais, o desfecho da Rodada do Desenvolvimento parece estar bem distante de 2010.

Para os exportadores agrícolas brasileiros, a melhor opção seria buscar novos mercados, como o de Guiné Equatorial, sob regime autoritário desde 1979. Celso Amorim declarou que “negócios são negócios”, e ele está certo. Não significa a legitimação do regime daquele país. Afinal, em momentos de dificuldades comerciais, o Itamaraty já buscou outros mercados (países árabes, africanos, asiáticos e, inclusive, comunistas), sob a presidência de Kubitscheck, Quadros, Goulart, até mesmo Geisel, e hoje sob o Governo Lula. E mesmo Estados desenvolvidos mantêm relações comerciais pragmáticas com países sob regime autoritário. Muitos, inclusive, as mantiveram com o Brasil ao longo do regime militar brasileiro, sem questioná-lo, como os EUA.

Já a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é outra história. Em verdade, ela torna-se mais uma tentativa de protagonismo internacional do Governo Lula, ao tentar fazer com que aquele Estado se transforme em uma democracia para entrar no organismo. Percebe-se que o vínculo comercial muitas vezes tem o poder de forçar uma mudança de regime político. Basta observar os efeitos de sanções comerciais. E apesar das crescentes críticas da mídia a respeito do tema, pode ser uma medida que funcione. Esperemos para saber.

Alessandra Baldner

Os novos nacionalismos

(Texto originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em agosto de 2010.)

A Catalunha, região autônoma espanhola, tornou-se a primeira província a proibir a prática da tourada na Espanha, após muitas polêmicas. Mas o debate sobre o “esporte”, tido como tradição nacional por mais de 600 anos, ganhou contornos políticos, fazendo com que partidos trocassem acusações relativas à oportunidade de separatismo na região. No Leste Europeu, outro caso de separatismo, desta vez concreto, também chamou a atenção da opinião pública mundial para as novas ondas nacionalistas no continente: o Kosovo.
Após a declaração de independência do Kosovo, antiga província sérvia, em 2008, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão das Nações Unidas, declarou parecer favorável à autodeterminação kosovar em julho deste mês. O resultado agradou aos albaneses, que representam cerca de 90% da população, e que garantem que prefeririam lutar a serem governados pelas leis sérvias. Em que pese a Sérvia não aceitar a decisão da CIJ, afirmando que o Kosovo é apenas uma de suas províncias em vez de uma antiga república da ex-Iugoslávia, o novo país já foi reconhecido por cerca de 70 Estados.
A questão da Catalunha é um pouco parecida. Apesar de a batalha contra as touradas haver sido iniciada por uma organização de proteção aos animais, o debate foi politizado, havendo quem culpasse os nacionalistas, como o Partido Político Ciutatians, por uma demanda pela autodeterminação regional. A Catalunha é a província mais rica do país, com língua própria (o catalão), e com habitantes descontentes com a limitação da autonomia de Barcelona pela Suprema Corte Espanhola. Desta forma, a tourada ficou em segundo plano, sendo usada pelos separatistas como desculpa e como forma de diferenciar a região do resto da Espanha.
As últimas grandes ondas de autodeterminações ocorreram na segunda metade do século passado, sobretudo em países africanos e em asiáticos, e também após o desmembramento da ex-União Soviética. A contenda do Kosovo, assim como a da Catalunha, demonstra que os nacionalismos continuam mais vivos do que nunca, mesmo que Barcelona não venha a se separar da Espanha. No caso kosovar, após uma guerra de limpeza étnica iniciada pelos sérvios na década de 1990, a separação se tornou inevitável. Contudo, o episódio da Catalunha, embora baseado em necessidades diferentes, demonstra o poder de barganha da província relacionado às imposições espanholas. A limitação da autonomia catalã valeria a pena? Afinal, quem teria a perder, seria a Espanha.

Alessandra Baldner

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Brasil na América Latina

(Texto originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em setembro de 2010.)

A importância da integração latino-americana para o Brasil, tanto comercialmente quanto politicamente, reflete-se no PIB da América Latina, que corresponde a mais de quatro trilhões de dólares, e nos projetos de infraestrutura que objetivam viabilizar o desenvolvimento da região. Atualmente, 47% das exportações brasileiras de manufaturados têm como destino a América Latina e o Caribe, segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e, de acordo com o ministro, “se não fosse a Alalc, não teríamos hoje América Latina e Caribe e, sobretudo, América do Sul, tão integrados. Por isso, a Alalc não fracassou”.
No final de agosto deste ano comemorou-se cinquenta anos de integração da América Latina no âmbito da Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (Alalc) e de sua substituta, a Aladi. Na primeira metade do século passado, Celso Furtado e Raúl Prebisch, fundadores da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) já diziam que era fundamental integrar para desenvolver. Graças a eles, nos anos de 1960, constituiu-se a Alalc, visando ao desenvolvimento industrial e a acordos entre seus membros, com o objetivo de eliminar barreiras entre Estados e de ampliar os mercados regionais. Como consequência deste processo, temos hoje, por exemplo, o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (Can).
Em que pese a visão otimista, ainda é preciso aprofundar esse processo por meio da criação de mais mecanismos concretos e eficazes de financiamentos diretos e indiretos na região, para diminuir a distância econômica entre os países. Temos o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), criado com o propósito de facilitar o intercâmbio comercial local, por meio da redução de transferências internacionais, utilizado principalmente ao longo dos anos de 1980, quando havia escassez de divisas. E, atualmente, também existe o Sistema de Pagamento Local, que tem o Real como moeda forte, realizado entre Brasil e Argentina, e entre Brasil e Uruguai, o que assegura nossa proeminência na região.
Além disso, o Estado brasileiro oferece sete propostas com o intuito de criar um mecanismo regional de garantias, de seguros e de créditos, pelo fato de a integração constituir-se como tema fundamental para o nosso mercado interno. O que nos interessa é a nossa presença na região, levando, dessa forma, tecnologia e equipamentos para nossos vizinhos com o intuito de diminuir um protecionismo disfarçado por listas de exceções de mercadorias e de reduzir a perda de mercado para a China, cujos poderes comercial e econômico se encontram cada vez mais presentes na América Latina.
Egoisticamente falando, seria uma forma de marcarmos território, fortalecendo, inclusive, nossas empresas. Mas também seria uma forma de propiciarmos o desenvolvimento da vizinhança e o fortalecimento de seus mercados ao agregarmos nossa tecnologia aos seus produtos, evitando, assim, a manutenção das trocas de comércio desiguais com países desenvolvidos. Além disso, vivemos na América Latina. Como potência regional, precisamos dar nossa contribuição. Vide o exemplo da Alemanha em relação à União Europeia.


Alessandra Baldner

O Brasil nas Áfricas

(Texto originalmente publicado no periódico online O Estado RJ, em 16 de maio de 2010.)

Em pleno século XXI, quando as atenções se voltam para a África do Sul, primeiro país africano a sediar a Copa do Mundo, a imagem que a maioria dos brasileiros tem do continente é a de que a África é simplesmente uma mistura cultural homogênea cercada de miséria. Existem nações diferentes, tribos diversas e culturas distintas. As relações Brasil-África do Sul se estreitaram nos anos de 1990, com o fim da política do Apartheid. Os laços brasileiros estabelecidos com aquele continente não se restringem, atualmente, à cultura trazida pelos escravos vindos de lá entre os séculos XVI e XIX. Representam, sim, a possibilidade de ampliar o comércio com a região.

A África Subsaariana, também conhecida como África Negra, cresce entre 5% e 6% ao ano desde 2003, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional, números que superam os de Estados desenvolvidos por causa do chamado “efeito de alcance” das economias da região, responsável pelo rápido crescimento partido de um patamar mais pobre em analogia aos Estados mais ricos. E a África do Sul constitui-se como o país mais abastado daquele continente. Até a China voltou-se para a África, explorando seus recursos naturais e investindo localmente.

Recentemente, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reafirmou o interesse do Brasil em instalar-se na África. Petrobras, Havaianas, Brasil Foods (fusão das empresas Perdigão e Sadia), O Boticário, Odebrecht, Camargo Correa, Vale, Furnas e Marcopolo são algumas das empresas brasileiras presentes no continente africano. Os produtos brasileiros são bem vistos na África, especialmente por sermos considerados o “primo pobre” que deu certo entre os países em desenvolvimento, e o potencial de consumo do mercado africano é alto. Segundo a Câmara de Comércio Afro-Brasileira, nossos principais parceiros são África do Sul, Angola, Argélia, Gana, Egito, Líbia, Marrocos, Nigéria, Tunísia e Senegal.

No entanto, a política externa brasileira não visa à substituição de seus principais mercados importadores (EUA, Europa e América Latina) pelo africano. Pelo contrário, a intenção é oferecer ao comércio com a África a mesma importância e vulto dos mercados tradicionais com os quais o Brasil negocia, e, dessa forma, ampliar nossas exportações. Assim, é interessante para o governo brasileiro manter de políticas que realizem a chamada cooperação Sul-Sul, como forma de facilitar o entendimento entre os grandes mercados emergentes em desenvolvimento.

Alessandra Baldner